Estrelas

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Seus espinhos, meus afetos


Dia dos pais. Das mães. Das crianças. Das avós. Essa coisa de se eleger um dia por ano para dizer eu te amo para alguém (e de quebra, comprar um presentinho) faz com que eu me sinta mais gado do que nunca. Será que tem como fugir disso? Muitos dirão que não, que precisamos viver em grupos, grupos que se organizam, que criam regras, desenvolvem costumes, e formam uma cultura. Conservadora, liberal, materialista, consumista ... não importa o nome que se dê, é assim que elas vão se definindo. É assim e ponto. Ah, mas esse ponto não pode ser final.

A transformação, embora lenta, é possível. Melhor, é inevitável. Lembro-me de que, quando criança, só podia ter um abraço do meu pai nos dias de nossos aniversários, Natal e Ano Novo e, é claro, no dia dos pais. Não que isso o tivesse impedido de ser um excelente pai, ou que ele não amasse seus filhos, mas a ele fora ensinado que essas demonstrações físicas ou públicas de afeto só poderiam acontecer em datas festivas. Eram paradigmas que nós tínhamos que aprender a aceitar.

Pois é. Alguns têm facilidade para a coisa. Outros, como eu, sofrem mais, porque questionam, e muitas vezes não conseguem quebrá-los, os tais paradigmas. Tá vendo a cara embirrada lá da foto??? Eu sei, eu sei, já faz muito tempo... a cara aqui é outra, mas a marrenta continua a mesma.

Sei que as manadas nos são necessárias, nos protegem de predadores, nos confortam nas perdas. Mas aprender a respeitar as diferenças, digo, aprender a respeitar por causa das diferenças, também é uma questão de sobrevivência. Sabe aquela historinha dos porcos espinhos na era glacial? Eles se uniram, agasalharam-se e juntinhos ficaram muito, muito pertinhos para enfrentar o inverno. Mas seus espinhos incomodaram, feriram, magoaram tanto uns aos outros que eles começaram a afastar-se, e, sozinhos, começaram a morrer de frio. Perceberam então que, para sobreviver, tinham que se aproximar novamente, com jeitinho e precaução, mantendo uma distância mínima suficiente para que eles, assim convivendo, pudessem se aquecer novamente e resistir à era glacial.

Já fui muito mais intransigente com os espinhos alheios. Hoje procuro não ser nem intolerante, nem tolerante, porque - sempre cito Saramago - ser uma coisa ou outra nos confere um ar de superioridade, o que eu procuro evitar. Pelo menos eu tento, porque essa não é uma tarefa fácil. Mas também não preciso de permissão para ser diferente. Isso me é inerente e independe da vontade de quem quer que seja, mesmo sabendo que existe uma busca incongruente pela aceitação através do 'ser igual'. Igual nos atos, gostos, falas e o mais. Momento manada. Não se iluda, todos o temos.

Mas que eu seja bem querida e também queira bem justamente por conta delas, as minhas e as suas diferenças, os nossos espinhos. Acho que é assim que se desenvolve o afeto nas relações. Não importa em que ele vai se transformar ou em como, onde, quando ele se iniciou, se numa paixão meteórica ou numa amizade serena, numa briga de trânsito ou na balada do fim de semana, se é de longa data, ou recém chegado. Mas ele tem que existir. No seu dia-a-dia, na sua família, no seu trabalho, nos amores da sua vida, ou simplesmente no sexo pela simples troca de prazeres. É de afeto que precisamos. É ele que eu busco sempre.

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