Eu andava e andava e lá estava ela, sorrindo. Mas eu não queria. Saía dos lugares, entrava por becos, visitava a rua da minha infância, e, lá estava ela, de novo, dizendo:
-Vem agora, querida.
Mas eu não queria. E ela continuava sorrindo, e o sorriso me dizia que não adiantava fugir. Ela estava ali , mas não me assustava. Apenas não queria.
- Ela não é feia.
Penso alto.
- Não. É bonita. Não usa capa preta. Nem foice. Veja, são flores o que ela tem na mão.
Cansada, a vi estendendo os braços para mim.
- Acabou, meu bem.
Quero chorar, mas não sinto vontade. Sem forças, desisto. Fecho os olhos e vou com ela.
- Quanta gente...e eu , aqui, com esse decote!
Não havia nuvens branquinhas, e nem chamas ardentes. Era um local de trabalho. Todos com suas respectivas funções. Em silêncio. Havia muito colorido. No que se guardava, no que se arrumava. Em silêncio. Todos na sua rotina. Muito trabalho. Mas esse decote...
-Aqui pode namorar???
Alguém ri e me avisa:
-Não se preocupe. Em pouco tempo isso não fará mais parte das suas lembranças. Venha, aqui é o seu posto.Você vai trabalhar aqui.
Como não fará mais parte das minhas lembranças???? Namorar é tão bom...não se esquece as coisas boas da vida.
- Exatamente. Mas você não está mais lá, lembra???
Mas é pra lembrar ou esquecer???
- Olha, o Marcelo!!! Eu conheço o Marcelo!!!!
Marcelo passa por mim mas não parece me reconhecer. Alguém me pergunta:
- Vocês são amigos??? Se importaria de dividir o quarto com ele??
Que estranho...aqui tem trabalho em série, brinquedos, quartos... mas não se pode namorar!
- Acho que não vai dar certo. Ele gosta de mim! Já quis me namorar...Se eu ficar no mesmo quarto...isso não vai dar certo...
E o alguém ri, e delicada e silenciosamente diz:
- Isso não vai fazer mais parte de você...
Puta que pariu, penso baixinho.
- Morrer é muito ruim. Não quero não, nem dá mais pra namorar...
Eu juro que não uso drogas. Acordei, com a imagem daquela mulher bonita na minha cabeça (ela que não se atreva a aparecer na minha frente tão cedo), sem saber se aquilo tinha sido um pesadelo, uma revelação das minhas carências sexuais, uma visão divina (ou profana, vai saber...), ou uma cena de uma comédia qualquer.
Eu hein...Coisas da Lôra...